Domingo, 13 de agosto de 2023. O relógio marcava 16h30min. A imponente ambulância plotada nas cores branca e verde de um conhecido plano de saúde costurava as ruas da capital catarinense. Dentro dela, ia o meu coração fora do peito.
Mariana, com seus 65 dias de vida e 47 cm de altura, deitadinha em uma incubadora especial de transporte. Ao lado dela, a mamãe Jéssica, que mesmo não tendo um apreço especial por ambulâncias, se encheu de coragem e topou o rolê para não desgrudar da filhota.
Como eu admiro essa mulher!
Não apenas pela coragem em andar em ambulâncias. Mas por uma infinidade de atitudes, pensamentos, palavras e compreensões que ela me mostra desde quando nos conhecemos lá no distante 2014 - o fatídico ano da Copa do Mundo do Brasil.
Lembro da cantada que ela me passou de tabela no que considero o Dia 1 da nossa história: “o Rodrigo é o garçom mais bonito do baile”, confidenciou ela para um amigo, enquanto eu ganhava uns trocos servindo chopp para a turma. Obviamente a tática deu certo. O elogio chegou até mim e… bem, lá se vão quase 10 anos da nossa história.
Ah, sim, a ambulância!
Eu sigo a ambulância de perto com o carro, pensando em como aquele dia estava diferente de tudo que eu já imaginei. Era meu primeiro Dia dos Pais.
“É só uma data comercial”.
“É um dia como qualquer outro”.
“Melhor nem pensar nisso”.
É o que ouvi algumas pessoas comentarem. Claro, são estratégias válidas para minimizar o impacto de passar este dia na UTI.
Mas eu sou um eterno sonhador.
Gosto de encontrar significados nas entrelinhas que passam despercebidos a observadores mais distraídos. E o Dia dos Pais, para mim, era uma oportunidade especial de valorizar ainda mais essa raridade que Deus me presentou chamada Mariana e a relação que estamos construindo.
“O que você faria nesse Dia dos Pais se ela estivesse em casa?”, a Jéssica me perguntou.
Bem, acho que eu acordaria pela manhã - ou ela nos acordaria choramingando pela manhã - tiraria ela do berço esmagando muito aquelas dobrinhas. A colocaria em nossa cama quentinha com a gente deitado em volta. Provavelmente eu iria cantarolar umas musiquinhas inventadas na hora, na ilusão de que ela estaria gostando - impressionante como eu estou desenvolvendo meu lado musical com a Mariana… o problema é que eu sou um péssimo cantor. Mas sou criativo nas minhas composições (minha esposa talvez discorde).
Então tomaríamos um banho demorado - eu consegui dar banho uma vez na Mari na UTI e descobri meu novo hobby preferido.
Em seguida, a hora café da manhã - eu adoro ter tempo para tomar um bom café da manhã! A Jéssica tomaria um chá que é mistura de erva doce, funcho e camomila (estimulante natural para a amamentação) e eu faria um café na minha V60, com um grão especial moído na hora - há quem diga que é frescura e há quem não consiga mais tomar o café-tradicional-que-para-mim-parece-carvão depois de provar o café especial fresquinho.
No almoço eu assaria um churrasco no quiosque do condomínio, de frente para a praia de Santo Antônio de Lisboa - a menos que estivesse com vento Sul, aí precisaria mudar os planos e assar a carne na churrasqueira da varanda do apartamento. Teria pão de alho, queijo coalho e coração de frango como entradas. Depois um pedaço de maminha e picanha na grelha. Uma cervejinha para acompanhar.
Na real eu gosto de churrasco, mas eu gosto mais é do processo em torno dele. Me remete aos domingos em família com meu irmão e meus pais. O churrasco é uma memória afetiva deliciosa. Tem sabor de lar.
Esse foi o Dia dos Pais ideal que pintei na minha cabeça.
Talvez fique para o ano que vem, quem sabe? Planejamento é uma coisa que aprendemos a rasgar nesses últimos meses com a Mariana. A vida é feita um dia de cada vez.
O certo é que, no meu Dia dos Pais ideal, Mariana iria ficar muitas horas no meu colo. Celebrando o que pode ter de mais especial em uma relação pai-e-filha: a presença, o tempo de qualidade e o amor como laço que nos une. Esse quesito foi o único ponto que consegui manter do plano original. Ainda bem! Foi o mais importante de tudo.
Mariana ficou muitas horas no colo do papai na UTI Neonatal.
Foi embalada, ouviu as musiquinhas inventadas na hora, sentou na minha perna olhando tudo ao seu redor com seus olhos espertos - meu Deus, como Mariana tem olhos espertos! São olhos curiosos, vivos, causam impacto quando cruza com outro olhar.
Também ganhei uma festinha-surpresa.

Ao chegar na UTI, o berço dela estava todo enfeitado. Mensagens da maravilhosa equipe de enfermagem, balão, decoração, cartinha escrita à mão pela mamãe com a “tatuagem” do pé pintado da Mari. E um vale-massagem relaxante de presente. Coisas de quem ama.
Foi como um amanhecer no meu coração. Me enchi de energia ao ser tocado por este ensolarado carinho, que me fez lembrar do verdadeiro sentido desta data: o importante é quem você tem na vida e como vivem o tempo juntos.
Este é o verdadeiro sabor do meu primeiro Dia dos Pais.
Obrigado, Jéssica, por ter dito que eu era o garçom mais bonito do baile.
Despedidas
O dia também marcou nossa despedida da UTI Neonatal do Ilha Hospital e Maternidade. Dizemos adeus do lugar que foi nossa segunda casa por 65 dias - era tudo o que a Mariana conhecia do mundo até então.
Com a ambulância, fomos transferidos para a UTI Pediátrica do Hospital da Unimed. Por lá, vamos seguir com os melhores cuidados para a Mariana - agora ela tá um bebezão, não é mais considerada uma recém-nascida.
O plano é conseguirmos encaminhar da melhor maneira o Unimed Lar, o programa de Home Care que nos permitirá ir para casa com todo os equipamentos e profissionais necessários para a Mariana seguir sua evolução.
Deixar a UTI Neo para trás trouxe uma sensação estranha. Incrível como havíamos nos habituado com o lugar, de forma que já não era tão difícil ir para o hospital todos os dias. De fato se tornou uma referência pra gente. Sabíamos que nossa filha estava sendo bem cuidada e, mais do que recebendo o atendimento médico necessário, também absorvia muitas doses de carinho e amor.
Não era raro chegar na UTI e encontrar Mariana com lacinho no cabelo, ganhando colo de uma enfermeira e sendo chamada de Pipoquinha, Chulezinho, Pituca… como fomos abraçados nestes 2 meses!
Recebemos conselhos, fomos treinados em manobras e aparelhos, absorvemos dicas… mas, acima de tudo, fizemos amigos. Compartilhamos histórias, boas e ruins. Criamos vínculos. Substituímos a formalidade do “senhor, senhora” para exercemos o melhor do lado humano que a nossa espécie tem a oferecer.
Era ouvir de uma enfermeira: “senta aqui, vamos conversar um pouquinho, como vocês estão lidando com tudo isso?”
Poderia citar aqui o nome de cada pai, mãe, médico, enfermeiro, técnico e profissional do Ilha que compartilhou nossa trajetória, mas esse é assunto para outro momento. Para não cometer a injustiça de não citar alguém, fica a gratidão, o reconhecimento e a admiração por tudo o que significaram para a gente nesta jornada!
Muito obrigado! Nos dias mais terríveis de nossas vidas, vocês foram um sopro de esperança em nosso coração.
Que lindas palavras, meu amor! Você é um pai incrível e todos os dias a Mariana pode sentir esse seu amor por ela.
Rodrigo meu padrinho!
Como não se emocionar lendo esse relato... Tu tem se mostrado um pai inspirador pra tantas pessoas.
Conta com nossa oração e amizade.